9° ano

O CORTIÇO - 92


                                                         O CORTIÇO

O romance mostra o nascimento, a vida e a morte de um cortiço onde grassa o vício, a miséria e a imoralidade. O proprietário dessa habitação coletiva é João Romão, homem inescrupuloso e avarento, que deseja a qualquer custo, conquistar a posição social de seu vizinho, o Comendador Miranda. Não só eles  como todas as demais personagens movem-se subjugadas, bestializadas pela forte influência do meio que as cerca: o lugar é o agente que tudo governa, tudo absorve e tudo devora no desenrolar dos acontecimentos.

                                               E o rolo fervia
... Mas na ocasião em que a baiana, seguida pelo pequeno, passava de fronte da porta de Piedade, esta deu um salto da cadeira e gritou-lhe:
                        - Faz favor?
                        - Que é? – resmungou Rita, parando sem voltar senão o rosto e já a dizer no seu todo de impaciência que não estava disposta a muita conversa.
                        - Diga-me uma coisa... – inquiriu aquela – você muda-se?
                        A mulata não contava com semelhante pergunta, assim à queima-roupa; ficou calada, sem achar o que responder.
                        - Muda-se, não é verdade? – insistiu a outra, fazendo-se vermelha.
                        - E o que tem você com isso? Mude-me ou não, não lhe tenho de dar satisfações! Meta-se lá com a sua vida! Ora esta!
- Com a minha vida é que te meteste tu, cigana! – exclamou a portuguesa, sem se conter e avançando para a porta com ímpeto.
- Hein?! Repete, cutruca ordinária! – berrou a mulata, dando um passo em frente. Que a má coisa te saiba, cabra do inferno! Ma deixa estar que hás de amargar o que o diabo não quis! Quem to jura sou eu!
                        - Pula cá pra fora, perua choca, se é capaz!
                        Em torno de Rita, já o povaréu se reunia alvoroçado; as lavadeiras deixaram logo as tinas e vinham, com o braços nus, cheios de espuma de sabão, estacionar ali, ao pé, formando roda; silenciosas, sem nenhuma delas querer meter-se no barulho. Os homens riam e atiravam chulas às duas contendoras, como sucedia sempre quando no cortiço qualquer mulher se disputava com outra.
                        - Isca! Isca! – gritavam eles.
                        Ao desafio da mulata, Piedade saltara ao pátio, armada com um dos seus tamancos. Uma pedrada recebeu-a em caminho, rachando-lhe a pele do queixo, ao que ela respondeu desfechando contra a adversária uma formidável pancada na cabeça.
                        E pegaram-se logo a unhas e dentes.
                        Por algum tempo, lutaram de pé, engalfinhadas, no meio de grande algazarra dos circunstantes. João Romão acudiu e quis separá-las, todos protestaram. A família do Miranda assomou à janela, tomando ainda o café de depois do jantar, indiferente, já habituada àquelas cenas. Dois partidos, todavia, se formavam em torno das lutadoras: quase todos os brasileiros eram pela Rita e quase todos os portugueses pela outra. Discutia-se, com febre, a superioridade de cada uma delas; rebentavam gritos de entusiasmo a cada mossa que qualquer das duas recebia; e estas, sem se desunharem, tinham já arranhões e mordeduras por todo o busto.
Quando menos se esperava, ouvia-se um baque pesado e viu-se Piedade de bruços no chão e a Rita por cima, escarranchada sobre as suas largas ancas, a socar-lhe o cachaço de murros contínuos, desgrenhada, rota, ofegante, os cabelos caídos sobre a cara, gritando vitoriosa, com a boca correndo sangue:
- Toma pro teu tabaco! Toma, galinha podre! Toma, pra não te meteres comigo! Toma! Toma, baiacu da praia.
Os portugueses precipitaram-se para tirar Piedade de debaixo da mulata. Os brasileiros opuseram-se ferozmente.
                        - Não pode!
                        - Enche!
                        - Não deixa!
                        - Não tira!
                        - Entra! Entra!
                        E as palavras “galego” e “cabra” cruzavam-se de todos os pontos, como bofetadas. Houve um vavau rápido e surdo e logo em seguida, um formidável rolo, um rolo a valer, não mais de duas mulheres, mas de uns quarenta e tantos homens de pulso, rebentou como um terremoto. As cercas e os jiraus desapareceram do chão e estilhaçaram-se no ar, estancando em descarga; ao passo que numa berraria infernal, num fecha-fecha de formigueiro em guerra, aquela onda viva ia arrastando o que topava no caminho: barracas e tinas, baldes, regadores e caixões de planta, tudo rolava entre aquelas centenas de pernas confundidas e doidas. Das janelas do Miranda apitava-se com fúria; da rua, em todo o quarteirão, novos apitos respondiam; dos fundos do cortiço e pela frente surgia povo e mais povo. O pátio estava quase cheio; ninguém, mais se entendia; todos davam e todos apanhavam; mulheres e crianças berravam. João Romão, clamando furioso, sentia-se impotente para conter semelhantes demônios. “Fazem rolo àquela hora, que imprudência!” Não conseguiu fechar as portas da venda, nem o portão da estalagem; guardou, às pressas, na burra o que havia em dinheiro na gaveta e, armando-se com uma tranca de ferro, pôs-se de sentinela às prateleiras, disposto a abrir o casco ao primeiro que se animasse a saltar-lhe o balcão. Bertoleza, lá dentro da cozinha, aprontava uma grande chaleira de água quente, para defender com ela a propriedade do seu homem. E o rolo a ferver lá fora, cada vez mais inflamado com um terrível sopro de rivalidade nacional. Ouviam-se, num clamor de pragas e gemidos, vivas a Portugal e vivas ao Brasil. De vez em quando, o povaréu, que continuava a crescer, afastava-se em massa, rugindo de medo, mas tornava logo, como a onda no refluxo dos mares. A polícia apareceu e não se achou com ânimo de entrar, antes de vir um reforço de praças, que um permanente fora buscar a galope.
            E o rolo fervia!
(Aluísio Azevedo)

VOCABULÁRIO:
1.      Correlacione as palavras com seus significados:
a)      Alvoroçado                 (      ) cofre de guardar dinheiro
b)      Chufas                        (      ) inquieto, sobressaltado
c)      Cortiço                       (      ) vaias, ditos picantes
d)      Mossa                         (      ) habitação coletiva das classes pobres
e)      Burra                          (      ) vestígio de pancada ou pressão

2.      Retire do texto as palavras que significam:
a)      Indagou, perguntou: _____________________________
b)      Opositoras, rivais: _______________________________
c)      Agarradas, entrelaçadas: ____________________________
d)      Despenteada, revolta: ____________________________
e)      Gritaria, algazarra: _______________________________
f)       Irritado, exaltado: _______________________________

3.      Assinale a acepção que mais se aproxime do significado que a palavra tem no texto:
a)      CABRA:
(       ) fêmea do bode                        (      ) pessoa que vive comendo, lambiscando
(      ) mestiço
b)      ISCA:
(       ) engodo para atrair peixes         (       ) grito para estimular cães
(       ) fragmento, pedaço
c)      CACHAÇO:
(       ) pescoço, nuca              (       ) reprodutor suíno         (      ) porco velho

4.      Procure no texto, as palavras que coincidam com as acepções dadas à direita:
                                   ACEPÇÕES
            Intrusa, ambulante
            Grande multidão, plebe, ralé
Prejudicaste-me, danificaste-me
            Arrancaram as unhas, perderem as unhas
            Espécie de peixe, homem baixo e gordo
            Armações de madeira, camas de vara
            Movimento da maré vazante, reação



INTERPRETAÇÃO:


1.      Complete:
O texto relata a luta entre duas _________________________: uma mulata, chamada ____________________ e a outra portuguesa de nome _____________________.

2.      Responda:
a)      Quem iniciou a contenda?

b)      Com que frase?

c)      Além de resmungar, o que demonstrou a adversária?

d)      O que procurou indagar a portuguesa?

e)      Qual foi, depois de pensar, a resposta decidida da mulata?


3.      Ligue as expressões fortes e grosseiras pronunciadas pelas respectivas personagens:
(a)   OS HOMENS                                                       
(b)   PIEDADE                                                                                                
(c ) RITA

(    ) baiuca de praia
(    ) cigana
(    ) cutruca ordinária
(    ) cabra do inferno
(    ) perua choca
(    ) Isca! Isca!
(    ) galinha podre

4.      Tal linguagem nos revela que (AM):
(      ) a cena se passa num ambiente roceiro
(      ) as personagens são da gentalha
(      ) o ambiente é realmente de cortiço
(      ) a luta se dá num ambiente urbano
(      ) o autor usou palavras que se aproximavam do meio em que as personagens viviam.


5.      Durante a luta, que faziam:
a)      As lavadeiras?
b)      Os homens?

PRODUÇÃO TEXTUAL:
Elabore uma narrativa em que houve uma grande confusão com várias pessoas ou uma briga em que muitos se meteram.

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